…e 500.000 respiros a menos
Parar para pensar no “acaso” é parar para pensar em como a efemeridade da vida pode ser angustiante, estressante, tortuosa, depressiva! Pensar que cada gesto, cada movimento, cada cinco minutos – ou cinco segundos – “perdidos” ou adiantados podem contribuir para mudanças absolutamente radicais em nosso percurso terreno, idem assustador, principalmente porque essa condição de certeza só reforça a, também, certeza que a vida é um mero recorte de acontecimentos, unidos como num quebra-cabeça, por vezes desordenado. Parar para pensar em nossa existência e nas missões de vida que a natureza nos incumbiu é outra desventura que volta e meia me deparo enfrentando.
Meu Deus, se não sei nem o que vou fazer daqui a cinco minutos – qual aqueles mesmos que falei há pouco – quiçá as incumbências que ela – a vida – tem para me fazer cumprir! Estamos numa era de aceleração, num momento histórico ubíquo, em que o “tudo ao mesmo tempo e agora” se tornou regra basilar, afastando-nos do ostracismo, da preguiça, da autocontemplação, da vivência pura e simples, do se sentir respirar, do se sentir viver, presente nas pequenas, bobas e simplórias coisa da vida, do cheiro da chuva à contagem das estralas.
Hoje completamos 500.000 mortes oficiais por Covid-19 no Brasil. Meio milhão de mortos! Números, para nós – ainda vivos – sermos levados a pensar – para além de todas as angústias reflexões decorrentes – na necessidade de desacelerar, reduzir a marcha e sentir o respiro que nos resta!
Desacelere o tempo para vislumbrar o acaso. Pare de buscar entender essa tal missão para simplesmente esperar o porvir. Deixe o amanhã pelo hoje, tentando entender que a vida, e sua efemeridade, é dada, de presente, pelo presente. Busque, ainda que superficialmente, aceitar que a passagem é um fato, que quaisquer planos, por quaisquer motivos, podem ser abruptamente desfeitos, que ao “tempo” está o “acaso”, que o “tudo está escrito” transforma-se num livro em branco, com capítulos paulatinos, mutáveis, inéditos e imprevistos.
E – ao menos (tomara!) por hora… quem sabe? – isolados e cansados, mas com fé, máscara, vacina, ciência e verdade.
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